sábado, 11 de abril de 2009

"Então erguemos muros que nos dão a garantia de que morreremos cheios de uma vida tão vazia"

O cigarro que fumo está custando R$ 4,50. O imposto sobre o cigarro foi aumentado para baratear a construção civil, setor que mais cresce e emprega no Brasil. Eu só não sei como os pedreiros vão fazer pra fumar seu tradicional cigarrinho depois do igualmente tradicional cafezinho durante o intenso trabalho (a gente vai fumando que também sem um cigarro, ninguém segura esse rojão).

O governo, o cinema, as artes em geral, a civilização ocidental capitalista e liberal inteira glamourizou o cigarro: foi um símbolo de status, de desprendimento, de rebeldia, um produto bem rentável. Investiu-se em marcas, modelos e propagandas diversas. Viciou-se o mundo inteiro.

Vivemos um mundo que busca a perfeição. Buscam-se leis perfeitas, uma segurança perfeita contra a violência, uma saúde perfeita, a juventude eterna, a vida eterna! As crianças não podem ser contrariadas - já não se diz não para educar – a classificação etária está no cinema, na TV, nos restaurantes, nos brinquedos; a alimentação é light, diet, zero...

Toda essa onda de varrer a sujeira pra baixo do tapete produz uma vida muito vazia, muito chata. Já não há mais ideologia, os princípios liberais, disfarçados de democracia a tudo venceram, mas produziram e produzem cada vez mais a artificialidade, ou a virtualidade. Não há mais limites entre o fantástico e o real, pois o real não existe mais. No entanto, as crianças de hoje parecem ser muito mais violentas que antes. Quando brincávamos com armas de brinquedo, no ambiente real dos quintais de nossas casas, na brincadeira de “polícia e ladrão”, sabíamos que não iríamos ferir nosso colega; não havia sangue, e sim o espaço para ele reclamar que não valeu, que ele conseguiu desviar a tempo. No videogame existem armas poderosíssimas, crimes, tortura, e sangue, muito sangue; ali a criança não está vendo seu colega, não está vendo ninguém, está trancada, na solidão de seu quarto, na carência afetiva provocada pela falta dos pais que estão sempre trabalhando em níveis máximos de exploração da mais-valia; ali a criança perde a noção do real.

No entanto, proibiram a arma de brinquedo, assim como estão querendo proibir o cigarro, e pelo mesmo princípio: a obsolescência. Assim como a arma de brinquedo, o cigarro se tornou ultrapassado, economicamente não é mais interessante. Vender Gatorade é mais barato e rende muito mais. Da mesma maneira que o videogame substituiu a arcaica arminha de brinquedo, o revolvinho de espoleta do Magnum, ele, que vicia tanto quanto o cigarro, um dia também será combatido sub o pretexto de trazer transtornos para os jovens.

É muita hipocrisia. Digam logo: queremos proibir o cigarro porque ele não é mais tão lucrativo, ou, ele é lucrativo, mas os prejuízos que ele traz para a economia são enormes, e o governo não quer mais gastar com saúde, aliás, segundo os preceitos neoliberais, não deve mais gastar com saúde. Nem saúde nem educação, isso agora é responsabilidade da iniciativa privada. Deixa os ricos fumarem, porque esses podem pagar os planos de saúde, e por isso o cigarro tem que subir bastante de preço, inclusive para manter seu poder de distinção.

Ontem passava na TV o filme “O advogado do Diabo”, e durante a cena final o diabo, interpretado por Al Pacino falava sobre Deus, e sobre a liberdade do livre-arbítrio, do quanto isso é perverso: “olhe, mas não toque; toque mas não prove”, deixando sobre o indivíduo a responsabilidade sobre seus erros.

É igual ao crédito bancário: O Itaú aumenta a cada dia o cheque especial de seus clientes, como se fosse uma liberação de crédito, mas na verdade é, nas palavras de um amigo, “uma agiotagem oficial”, pois os juros são criminosos. Depois, eles enviam cinicamente uma cartilha falando sobre o uso consciente das linhas de crédito. Complicado, não?

Pois bem, esse é um dos princípios do liberalismo: você é livre para consumir, mas o lixo é um dos grandes problemas ambientais, que vai acabar com a humanidade; você foi livre, durante mais de um século, para se viciar, mas agora tem que se comportar como criminoso para fumar seu cigarro.

Esquecem-se que a fome ainda mata bastante no mundo, que a violência exacerbada é sim, uma questão de desigualdade e de ausência do Estado.

Eu me pergunto, neste sábado de aleluia: Não seria também crime malhar o Judas?