segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

A caridade

Passei o fim de semana sem pensar nisso, mas eis que novamente me lembro do e-mail do Rodrigo Constantino. Não vou me dar ao trabalho de relê-lo para transcrever um trecho, mas pelo que me recordo, lá pelas tantas, com muita raiva do Niemeyer, o camarada perdeu completamente o controle da maquininha de asneiras e faz a seguinte comparação: Dizia o Constantino que, quando um Niemeyer, milionário, fica fazendo discurso demagogo a favor dos pobres, os 'esquerdistas' (acho esse termo irritantemente pejorativo) o acham o máximo. Já quando um empresário que se esforça pela economia do país e gera empregos, como Bill Gates, doa milhões para a caridade, ninguém reconhece esse ato.
Sem querer me alongar, só queria dizer que um cara que faz uma comparação primária dessas não deveria ter espaço pra escrever em lugar nenhum.
Talvez um dia eu venha aqui a escrever sobre a ideia de caridade e o pensamento individualista de culpa, mas não será agora. Só gostaria de dizer que se Bill Gates valesse alguma coisa, ele pegaria o seu sistema operacional, que a maioria da população mundial é obrigada a utilizar, e disponibilizaria para download gratuito na internet, com o código-fonte aberto, como fez Linus Torvards ao criar o Linux.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Uma noite em 1967

Outro dia assisti a um filme chamado “Uma noite em 67”, de Renato Terra e Ricardo Calil, que narrava os bastidores do festival de 1967, da Rede Record. O terceiro festival, (o segundo promovido pela emissora, já que o primeiro tinha sido organizado pela TV Excelsior), chamado “Festival da Virada”, divulgou artistas como Gilberto Gil, Edu Lobo, Caetano Veloso, Sérgio Ricardo, Mutantes, Chico Buarque, Elis Regina, MPB4, etc. Neste ano o vitorioso foi, mais uma vez, Edu Lobo, com “Ponteio”, deixando em segundo lugar “Domingo no Parque” de Gilberto Gil e em terceiro “Roda Viva”, de Chico Buarque, que havia sido o vencedor do ano anterior com “A Banda”. Esse festival também contou com Sérgio Ricardo quebrando o violão no palco e o arremessando contra a plateia em reação à vaia sofrida e Roberto Carlos amargando um 5º lugar quando ousou fugir ao esquema da Jovem Guarda, cantando “Maria, Carnaval e Cinzas” de Luiz Carlos Paraná.
Muito bom ver as imagens da época, com os apresentadores e os artistas fumando nos bastidores ao longo das entrevistas (numa época em que não havia o politicamente correto de hoje), a precariedade técnica das apresentações ao vivo, e sobretudo a alegria de ter um espaço no horário nobre para cantar música ao vivo e mobilizar centenas de jovens não só na platéia/torcida do festival, como também pelo rádio e TV em várias cidades do país, às vésperas do enrijecimento cada vez maior do regime militar.
Interessante o depoimento de um dos diretores do festival ao dizer que o objetivo era realizar um programa de entretenimento, mas que acabou se transformando em algo emblemático, devido a situação pela qual o país atravessava.
Nos depoimentos atuais isso é muito interessante, pois percebemos que o que para nós hoje muitas vezes se mostra como algo intencional o tempo inteiro, para os seus protagonistas, nem sempre havia a intenção de protesto contra o governo militar ou algo parecido.
O filme também retrata o momento em que se construíam as bases do tropicalismo e como Chico Buarque, ficando de fora, embora sendo mais jovem que Caetano e Gil, acabou tendo associada a sua imagem ao pessoal do samba e da bossa nova, ou seja, ao velho, apesar de ter vinte e poucos anos.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Parte II – de tão otário que sou, continuo escrevendo ao Constantino

Acho que não fui claro no texto anterior. Certamente, vão dizer que fui prolixo. O que eu estava querendo mostrar era simplesmente que o muro caiu há mais de vinte anos e que o “comunismo” soviético não existe mais. A experiência cubana, lamentavelmente sofre com o embargo norte-americano, é uma sobrevivente do beligerante séc. XX.
Falar em socialismo hoje não significa necessariamente falar em revolução armada e nem em ditadura do proletariado, principalmente porque o capitalismo também não está mais nas fábricas.
Ser socialista é defender a democracia sim, mas não o modelo neoliberal de soltar a raposa no galinheiro, e sim a democracia progressista, com avanços sociais. Precisamos lutar para que o Estado assuma seu papel e se recupere da atrofia pela qual passou nas décadas anteriores. Isso não significa defender a reprodução da experiência cubana no Brasil.
Esqueci de mencionar um detalhe interessante sobre o texto do Rodrigo Constantino. Na verdade foi o da pessoa que repassou o e-mail, que lamenta o fato de a imprensa independente não veicular o excelente artigo. Gente, o brilhantismo do Constantino é um arremedo mal-feito do Diogo Mainardi na Veja. Esse texto dele talvez não fosse publicado n’O Globo pela má qualidade literária, assim como os meus (rsrs.), mas pela ‘ideologia’(?) que carrega, sem dúvidas estaria lá, na opinião dos editores.
Aliás, fui verificar. O rapaz (é, até que é jovem, mas tem uma formação conservadora) sustenta um blog, tem graduação e lato sensu em economia, e escreve sobre investimentos em O Globo e no Valor Econômico, mas agora é tarde, já tinha escrito todo esse texto quando tive a curiosidade de verificar.
Eu não veria de forma alguma textos de Luís Nassif, Luís Carlos Azenha, Fábio Konder Comparato, José Arbex Jr. e tantos outros na mídia grande.
Me lembrei de mais trechos descontextualizados e nonsenses do Constantino. Logo no início, citando Roberto Campos (bela referência, não?) tenta golpear os artistas e intelectuais de esquerda dizendo que eles adoram três coisas que só o capitalismo pode trazer:
“- bons cachês em moeda forte;
- ausência de censura
- consumismo burguês. Trata-se de filhos de Marx numa transa adúltera com a Coca-Cola..."
Não conheço ‘artista de esquerda’ (coloquei as aspas porque acho o termo limitador demais) no Brasil que receba em dólar quando faz show aqui.
Existência ou não de censura independe do modelo econômico. Somos um país capitalista e, no entanto, estamos nas mãos de poucos monopólios detentores da informação, apesar da internet. Aliás, ainda é utópico pensar que o simples fato da existência da internet signifique automaticamente maior acesso e qualidade de informação, até porque as empresas estabelecem diversos filtros. Você se informa por qual portal? Globo.com, Terra, Uol? Rs. Ah, o twitter... mas a maioria escolhe unilateralmente quem vai seguir e recebe a informação filtrada, do mesmo jeito. E aí, quando aparece um cara como o do Wikileaks, a águia da democracia salta da tocha da estátua em Manhattan e vem crocitando com as garras à mostra.
Consumismo burguês? Essa é a melhor de todas. Outro dia um camarada me aporrinhou no twitter me chamando de socialista bebedor de Heineken. A intenção dele era apontar uma contradição entre meu discurso e meus hábitos, pois essa cerveja é vendida por um preço um pouco mais caro que as demais. Respondi com uma brincadeira acerca das bebidas e os modos de produção, falando sobre as cervejas que são produzidas na Alemanha, tanto na antiga Oriental quanto na Ocidental, inclusive respeitando ainda hoje uma lei antiga, do século XVI, de que as cervejas alemãs devem se constituir apenas de água, malte, cevada, levedura e nada mais (ih, mas que ditadura!). Brinquei também sobre a vodka russa, considerada a melhor do mundo. Concluí de gozação, que de bebida boa os socialistas entendem, e que na verdade bebida ruim é coisa de capitalista que pra economizar e obter mais lucro, de acordo com a ótica do mercado, gasta menos com a produção, utilizando ingredientes ruins e produzindo algo de qualidade inferior, porém em grande escala. E nem comentei com ele sobre as garrafas de whisky 8 e 12 anos que tenho aqui comigo, rs.
Brincadeiras à parte, acho muito reducionismo e cafonice tentar estabelecer um instrumento capaz de medir o comprometimento social dos outros. É bem verdade que existem pessoas (e eu conheço várias) que ficam ‘sindicato’ pra cá, ‘companheiro’ pra lá, e tratam mal o garçom no restaurante e(ou) adoram acumular capital. Eu gasto meu salário inteiro todos os meses, comendo e bebendo o que gosto (pelo sabor e não pelo valor), ‘consumindo’ discos, vídeos, livros, pagando minhas contas... Não acumulo capital, não possuo automóvel luxuoso (até porque não tenho mesmo dinheiro para isso), Não tenho empregados para fazer as coisas que não quero fazer, não jogo lixo na rua, não furo e nem me incomodo com fila, respeito o trânsito, uso transportes coletivos... Mas peco ao tomar Heineken, que custa R$ 2,00 a lata no supermercado.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Escrito por um otário para Rodrigo Constantino.

Não faço ideia de quem seja Rodrigo Constantino, mas recebi em minha lista de e-mails num daqueles forwards um texto assinado por ele, muito incomodado com o fato de Niemeyer e Chico Buarque, sendo de esquerda, terem dinheiro. Aquela velha retórica liberal distorcida. Se é que ele sabe disso. Sei que não é arquiteto, pois o afirmou no texto. Imagino também que não seja músico. Também não acredito que possua alguma titulação em ciências sociais, história ou sociologia, pelas referências (ou ausência delas) em seu texto.

Espertamente se priva de comentários técnicos a respeito de arquitetura, mas no entanto se acha capaz de tecer elucubrações sobre outras áreas tão técnicas e acadêmicas quanto. Aliás, uma característica desse texto é refletir o descaso que a sociedade brasileira nutre pelas ciências humanas em detrimento de outras áreas consideradas mais nobres.

Rodrigo Constantino também não deve ser jovem. A utilização de termos como "comunismo" para tentar classificar aquilo que não é liberal, é coisa de quem pensa como pensavam os senhores até o terceiro quartel do século XX.

Não deveria me incomodar, mas me incomoda o texto do Rodrigo Constantino, porque é o senso comum posando de análise. Você não gosta do Niemeyer, tudo bem, mas eu devo dizer que estive no MAC em Niterói na semana passada e achei belíssimo. A vista linda da baía de Guanabara, o lago de onde emerge o prédio, crianças correndo em seu enorme pátio e o melhor, tudo de graça. Foi construído pelo Estado, com o dinheiro público, para o público desfrutar do que de melhor a arquitetura pode oferecer. Não vejo nada de errado nesse princípio. Se os políticos envolvidos no processo, as empresas construtoras e demais agentes desviaram o dinheiro, superfaturaram aqui e acolá, essas condutas individuais sim, precisam ser condenadas. O artista ganhou dinheiro? Sim. Como ‘otário’ que sou, acredito que tenha sido exatamente o que cobrou, o preço que definiu por seu trabalho, nenhum centavo a mais ou a menos. Não confundamos a defesa dos princípios (veja bem, princípios e não dogmas ou determinadas experiências práticas) socialistas, coletivistas, com a necessidade de votos de pobreza franciscanos. Não defendemos a pobreza de forma dogmáica como fazem os religiosos. Defendemos a justiça. Em frente ao MAC tem um prédio residencial lindíssimo, construído criminosamente numa encosta, planejado por um arquiteto que provavelmente não se enquadra no time dos "otários" como afirma agressivamente o Constantino. Nesse prédio, moço, como diz Zé Geraldo em sua canção (olha eu indo pra perto do terceiro quartel do século passado), eu não posso entrar.

Constantino... Constantino era o nome do primeiro imperador romano a converter-se ao cristianismo e a tolerar seus princípios de coletividade e igualdade, diante de um mundo romano decadente. O nosso Constantino aqui parece se incomodar muito com a ideia de coletividade.
Já vou falar de Cuba, mas antes gostaria de ressaltar a necessidade de se separar o pensamento socialista das experiências que surgiram no beligerante século XX, o breve século de Eric Hobsbawm, que teria se iniciado em 1914, com a primeira guerra mundial, e findado em 1990, com a queda do regime soviético.

Assim como não defendemos a pobreza, também não defendemos as ditaduras. Aliás, ditadura ou autoritarismo são conceitos que precisam ser sempre interpretados. Conceitos têm pais e mães. Neste caso os pais vêm do século XVIII europeu. O movimento iluminista derrubou o autoritarismo absolutista e gerou o pensamento liberal, que trouxe a ideia de igualdade civil, eliminando o abismo social (mas não econômico) que separava a aristocracia nobre, “bem nascida” e proprietária de terras, da burguesia de origem plebeia, que adquiriu riqueza através do trabalho, sobretudo ao se apoderar do controle do tempo e do valor do trabalho, gerando por um lado o capitalismo e por outro o chamado proletariado. Muito bem, nosso amigo não precisa dessa aula de história tão primária. Só queria salientar a historicidade do termo burguês e dos conceitos de ditadura, autoritarismo.

Ditadura geralmente é identificado com tudo aquilo que é diferente do modelo liberal de democracia: eleições com voto por escrutínio, parlamento, legislação, etc. Mas, se pensarmos direitinho, Hitler e o jurista Carl Schmitt, ao lançarem mão do artigo 48 da Constituição de Weimar, que previa o estado de exceção, instalou-se no poder como defensor da democracia de massas, um tipo de democracia anti-liberal.

O pensamento de Schmitt, grosso modo, defendia que o modelo liberal se tornava ineficaz diante de uma sociedade bastante diversa daquela de dois séculos antes. O século XX era marcado pela ascensão das massas, formando-se uma sociedade mais complexa cuja demanda por legislação estava sempre além da capacidade de produção dos parlamentos. Portanto, seria muito mais eficaz um modelo de democracia onde a “vontade geral” (conceito de Rousseau que Schmitt apropria de forma enviesada) fosse captada por um único indivíduo dotado de poderes de decisão, conferidos por aclamação popular, para executar de forma mais rápida os desejos do povo. Essa foi uma das fontes onde se embriagou Francisco Campos para escrever a constituição brasileira de 1937.

Veja: para Schmitt, Hitler era um líder democrático, para os liberais, um ditador. Movendo o pêndulo (mas não muito) no tempo e no espaço, em 1964 Castelo Branco foi conduzido ao poder por um conjunto de forças democráticas, que envolvia a família brasileira e o capital, contra a ditadura e o autoritarismo dos comunistas. Nesse momento falavam sobre comer criancinhas, invadir sua casa, usar suas roupas, pois tudo seria coletivo. Muita bobagem, pois falava-se sim, em coletivizar os meios de produção, e não a propriedade individual. Tudo bem, era tudo terrível, mas se pensarmos direitinho outra vez, cada um estava defendendo a sua democracia, que naquele caso específico, não se tratava, nem de um lado e nem do outro, da democracia liberal. É bem verdade que os liberais aplaudiram o “golpe democrático” de 64 e só se voltaram contra ele quando a família brasileira e o capital começaram a sofrer.

Cuba pode ser assim vista como uma ditadura ou como uma democracia. Vista como ditadura pois não possui os valores liberais, ou seja, lá nem todo mundo, ou melhor, ninguém pode tudo; vista como democracia por aqueles que se vêem satisfeitos por ter o que necessitam, ao contrário de muitos cidadãos brasileiros e estadunidenses. Mas aqui no Brasil todos podem tudo! Eu posso sair nesse momento de minha casa, pegar um avião e ir pra Cuba ou pros EUA... quer dizer, não posso porque não tenho dinheiro, mas isso é um detalhe. Aliás, se tivesse dinheiro poderia ir pra Cuba, porque pra entrar nos Estados Unidos eu tenho que provar que não sou bandido.

Outra coisa que me intriga nas críticas a Cuba é quando chamam Fidel, Che, Raul e os demais participantes da revolução cubana de assassinos. No texto do Rodrigo Constantino Fidel é apontado como o “maior genocida da América Latina”. Eu queria ver as estatísticas.

Acho que vou parar por aqui.... depois continuo pois a riqueza do texto de Rodrigo Constantino suscita tantas discussões que às vezes nem dá pra colocar tudo num texto só.