quarta-feira, 18 de junho de 2008

Raposa Serra do Sol em Roraima

Volta a ser discutida a demarcação das terrs indígenas na reserva Raposa Serra do Sol. Os discursos são muito esclarecedores a respeito de como se vê a questão indígena no Brasil. Existe um discurso marginalizador do indígena, que separa os "brasileiros" dos "índios"; outro discurso é contaminado pela esquizofrenia norte-americana de temer alienígenas, estrangeiros, terroristas, comunistas e o bicho-papão; outro discurso, ainda pior, entende a questão da terra apenas pelo viés econômico-militar (algo que ainda sobrevive com força no Brasil, infelizmente), ou "geoestratégico", afirmando que os antropólogos não têm autoridade pra falar de demarcação indígena.
Reserva não é latifúndio. Embora os indígenas, para sobreviver, acabem explorando a terra de modo capitalista (o que é uma outra discussão, porque, se o não-índio pode, o índio também pode), a princípio a reserva tem outro significado, que passa por uma questão cultural de relação com a terra, com os elementos da natureza, com identidade, que uma visão "geo-não-sei-quê", fundiária ou militar, não vai entender nunca. A história dos indígenas no Brasil é marcada pela invasão, destruição, retrocesso civilizacional, devido a violência colonizadora; marcada pela ignorância e segregação. Na América Espanhola, com toda a violência do processo colonizador, os indígenas conseguem se organizar politicamente. No Brasil a exclusão é aviltante, e o fato de o índio possuir terras incomoda muita gente.
Para saber mais, leia aqui a entrevista do antropólogo Fernando Vianna

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Livraria Noblesse

Acabo de passar na livraria Noblesse, em Campos. Isso mesmo, livraria! É porque ela tem vergonha de ser livraria, então, na fachada, são colocados bichos de pelúcia, faqueiros, instrumentos musicais, objetos de decoração, no interior da loja tem papelaria, material escolar, livros didáticos e aí, após um corredor nos fundos da loja, você pedindo licença pra entrar, tem uma livraria. Trata-se de uma pequena mas boa livraria, com uma excelente estante de história, geografia e também sociologia, muito por conta de uma tradição bacana que é a interlocução dos professores, sobretudo da FAFIC ou de quem passou por lá, com o livreiro "Zé Maria", figura muito interessante.
Não encontrei o livro que estava procurando. Vim pra casa pra comprar pela internet, mas o prazo de entrega era muito longo e o preço do frete muito alto. Desta forma, liguei para o "Zé Maria", encomendei o livro e pronto, dentro de alguns dias é só passar na livraria para buscar.
Salve o Zé Maria e sua livraria escondida, muito melhor que a bienal do livro inteira.
Coisas de Campos.

Bienal do Livro

Encerrou-se a 5ª bienal do livro de Campos dos Goytacazes. Acompanhei todas as cinco edições e vou dizer, esta foi a que menos gostei, ou melhor, não gostei de nada. Conversando com um amigo outro dia ele disse que parecia uma bienal do Garotinho, com livrinhos a um real. E é verdade.
Não estou defendendo aqui que os livros tenham que ser caros e que as bienais não tenham que ser populares, muito pelo contrário, mas quando se fala em feira de livros pressupõe-se uma grande variedade de assuntos, editoras e, principalmente, a presença de uma categoria que costuma chamar-se hoje em dia de "não-ficção".
Pra início de conversa, logo de entrada sou sequestrado por um vendedor da Barsa, um sujeito com um terno surrado, cheio de caspa que caía dos seus cabelos grisalhos, um mau-hálito insuportável e um sotaque carioca carregado, utilizado num tom colonizador de quem se imagina enganando um trouxa: "você conhece a Barsa, amigo?" "Tudo bem, você deve conhecer a Barsa tradicional, que todos conhecem, mas agora nós temos em CD-ROM, em DVD, blá-blá-blá..." E o cara estava assim, achando que eu era um idiota. Eu pensava: "Meu Deus, acabei de chegar aqui e tenho que passar por isso?" Depois de ouvir que o preço era de R$ 5.000,00 mas que eu poderia comprar pela bagatela de R$ 1.700,00, e ainda por cima ganhar uma viagem, a minha escolha, para Cancún ou Orlando, consegui me livrar do cara, e pensei: "Bom, agora espero que encontre bons livros..."
Eis que encontro um estande cheio de bonequinhos do Smilingüido, aquela formiguinha evangélica, e vários livros evangélicos. Pensei: "que legal, deve ser bem eclético o negócio aqui..." Mas depois vi que não era bem assim. Daí pra frente era "1808", "Código da Vinci", "Pai, rico, pai pobre", Içami Tiba, "Quem ama educa", aqueles livros que ensinam a pessoa a ser rica, bem-sucedida (como se isso devesse ser o fim último das coisas)... tudo enganação. Ninguém fica rico lendo isso. Fica pobre, achando que está ficando, pelo menos culto, o que também não está.
Depois, vinham os estandes de banca de jornal. Isso mesmo, banca de jornal, com revistas de decoração, revistas femininas, assinaturas da Abril... quando eu vi os representantes da Abril, saí correndo, me lembrei do homem da Barsa.
Passei então por um corredor mais interessante, de onde se destacavam dois estantes: um era o da editora "Expressão Popular" e um outro inteiro sobre cultura afro-brasileira. Porém, no final deste mesmo corredor, um outro estande-banca de jornal, com revistas, livros infantis e outras coisas curiosas como "André Gonçalves, o homem que seduziu a vida". Aí comecei a pensar que não tinha mais jeito.
Parti então para os eventos. Haveria a visita de Carlos Heitor Cony, que acabou não aparecendo, pelo menos até a hora em que permaneci lá, sentado num salão pré-moldado, daquelas divisórias, ouvindo os grandes escritores da região Norte-Fluminense. Um poeta bucólico, um outro morto com a família sendo homenageada, um secretário de cultura, irmão do poeta bucólico, e por aí vai... Nada contra essas pessoas, por algumas delas nutro até admiração, mas essa é a quinta bienal, dez anos na mesma ladainha.
Enquanto isso, por toda a bienal, tocava um "som ambiente", era um disco da Elis Regina: "A volta do irmão do Henfil, e tanta gente que partiu..." Aqui, tá bom né? O tempo passou, mas as pessoas que comandam a cultura no município são as mesmas, com as mesmas referências, tudo igual há trinta anos! Pra piorar, quando acabou o disco da Elis Regina, colocaram o Oswaldo
Montenegro. Sem comentários.
Que sacanagem esse mundo pós-moderno. Cria-se uma ilusão de que as pessoas têm mais acesso a informação, que estão sendo publicadas mais coisas, que todos estão lendo mais, lendo livros de 500 páginas mas, tudo mentira, tudo sempre mais do mesmo. Eu que estava procurando um livro do Max Weber, numa bienal do livro, tive que comprá-lo depois, pela internet.
Pra piorar tudo, quem aparece no coquetel do poeta e do Cony, que não veio? O homem da Barsa, como se estivesse a minha procura. Era chegada a hora de ir pra casa.