terça-feira, 25 de agosto de 2009

Tarde quente no senado

Um circo dos horrores. Um patético e desnecessário circo dos horrores.
Me lembro do filme "O show de Truman", onde um rapaz, desde seu nascimento, fazia parte de uma grande farsa. Um programa de televisão que transmitia em rede nacional cada passo de sua vida, uma espécie de reality show porém sincero, onde o personagem principal não sabia que estava sendo filmado. Acho que deveria ser assim no Senado Federal.
A criação da TV Senado talvez tenha mudado o comportamento dos senadores e o próprio funcionamento da casa, pois os senadores, ao contrário de Truman, sabem que estão sendo filmados. Digo mais, talvez tenha mudado mesmo a natureza da milenar e mais importante instituição republicana.
Desde ontem, indignado por fazer parte deste circo, o Senador Eduardo Suplicy (PT-SP) esbrevejou contra a situação, interrompendo um discurso do senador Sarney que homenageava o centenário da morte de Euclides da Cunha. Em seu aparte o senador Suplicy exigiu de Sarney seu afastamento para os esclarecimentos definitivos a respeito das denúncias que pesam contra ele, e que constituem o centro da crise do Senado.



Hoje, 25/08, ainda mais inflamado, o senador Suplicy leva à tribuna um cartão vermelho, como os utilizados pela arbitragem do futebol, e diz estar dando um cartão vermelho a Sarney, exigindo sua renúncia à presidência.
A crise do senado agora chega ao PT. Na semana passada a senadora Marina Silva anunciou sua desfiliação ao partido. Em seguida foi anunciada a renúncia do senador Aluízio Mercadante à presidência da bancada petista no senado, que, depois de uma reunião com Lula decide manter-se na posição, porém insistindo no afastamento de Sarney e na apuração da crise. Esta semana se inicia com os ataques bastante indignados de Suplicy a toda esta situação.

De que maneira a imprensa vem cobrindo tudo isso? Ora, de maneira muito simples, colocando todos na vala comum da política (no mau sentido). "Político é tudo safado", "política é isso mesmo", "tudo acaba em pizza", "durante quanto tempo vamos aguentar?". Essas expressões corriqueiras que ouvimos nas ruas e que são reforçadas pela imprensa, conribuem para a desqualificação da política, dificultam a organização da sociedade de forma democrática. descrentes na política, os cidadãos (?) tendem a desvalorizar seu papel ativo na sociedade, tendem inclusive a não se importar se a existência do legislativo é algo necessário ou não para a democracia. Vou além: tendem a não se importar se democracia ou ditadura, tanto faz.

O governo Lula avançou em questões sociais e ganhou popularidade, e as forças de oposição , peo menos as "de direita" (perdoem-me aqui o anacronismo) avançam no sentido de combater tudo isso, quanto mais se aproximam as eleições de 2010.

A crise do senado, ou os fatos que a movem, talvez sejam menores do que o escândalo de Zé Dirceu, do "mensalão" (termo criado pela imprensa), os dólares na cueca... da crise do próprio Renan Calheiros. No entanto, ela se avoluma como uma onda gigantesca que vem de encontro à democracia. E o pior de tudo é que, não o governo mas Lula, prefere fritar o Partido dos Trabalhadores e colocar em risco a candidatura de Dilma Roussef para a presidência da república, ficando ao lado de Sarney, a despeito de figuras tão importantes e históricas do partido, como Suplicy e Mercadante.

E o pior é o que se desenha para 2010: se a estratégia desta oposição der certo, pior que a derrota do governo, pior que a derrota de Dilma, será a vitória do PSDB/DEM. Se o PT fosse derrotado pela oposição formada pelo PSOL com a candidatura de Heloísa Helena, ou pela candidatura que se apresenta (e já desperta o interesse dos guarda-chuvas como PMDB e PDT) de Marina Silva pelo PV, pelo menos o país continuaria avançando nas questões sociais e/ou ambientais, mas infelizmente, não será esse o caso.
Na minha interpretação, essas excelentes candidaturas dividirão a esquerda e facilitarão a vitória da iniciativa privada, do neoliberalismo decadente, do retorno das discussões sobre a ALCA, das privatizações, do entreguismo. Infelizmente.

Acho que algumas coisas não estão sendo bem explicadas pela imprensa. Quem votou em Sarney?
José Sarney (PMDB) foi eleito presidente do senado com 60,5% dos votos dos 81 senadores, como um candidato de oposição, contra a candidatura de Tião Viana (PT). O argumento era de que o PT já tinha o executivo, então era preciso que a oposição controlasse o legislativo. Essa foi a posição defendida pelo PSDB que compunha a chapa de Sarney com a candidatura do senador Marconni Perillo (PSDB-GO) a vice-presidência e do DEM, que apoiou abertamente a candidatura, como mostra a matéria publicada na "Tribuna do Maranhão": DEM formaliza apoio a Sarney e fortalece PMDB no Senado 30/01/2009,
Nesta matéria, o senador José Agripino Maia, do DEM, afirma: “Tião Viana é do PT, que já detém o Poder Executivo. Ter a presidência da República e o Congresso é demais”. “O senador Sarney é um homem de diálogo, não é petista, não tem alinhamento com o Executivo. O senador Tião é integrante do PT, que já detém o Executivo”.
No entanto agora todos se arvoram contrários à presidência que elegeram, arautos combatentes da corrupção no país, indivíduos honestos, verdadeiros salvadores da pátria, que não apresentam seu projeto de nação (?), que país será construído com sua vitória.
E mais: a renúncia de Sarney colocaria o Senado nas mãos do PSDB/DEM, pois assumiria o vice
Marconi Perillo.
Infelizmente esta questão não é esclarecida pela imprensa, não é dito nos telejornais. Ontem à noite, comentando o episódio ocorrido entre Suplicy e Sarney, o jornalista Boris Casoy disse que o senador Eduardo Suplicy gosta muito de aparecer. Hoje isso foi dido novamente no senado, durante um dos vários apartes à fala do senador petista no plenário, além dos embates com o senador Heráclito Fortes, que afirmou ter saído do seu gabinete para apartear Suplicy, quando a coisa esquentou mais uma vez.
Pois bem, o erro de Suplicy agora é "querer aparecer", "fingir ser oposição", quando no entanto continua sendo governo, embora discordando dos caminhos que este vem trilhando para o próximo ano. Isto faz parte do sistema democrático, não é erro. O erro de Suplicy para estes senadores, na verdade, foi ter se revoltado, se recusado a continuar participando deste circo dos horrores.

Um comentário:

Betecsoares disse...

Muito interessante seu comentário, Rosselini, como não há ressentimentos irascíveis, ele se pauta nos acontecimentos e é embasado nos prós e contra de uma situação que se apresenta como corolário de um desmonte e de uma desmoralização impactante (ou seja, do PT), mas que na verdade é uma característica da democracia, ou melhor, um exercício que o Brasil precisa se habituar, pois não há mais espaço para continuísmos, golpes, trapaças (facetas de governos fantasiados de democracias, mas que nada mais são que ditaduras da exploração do homem pelo homem).
Abs.