quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Escrito por um otário para Rodrigo Constantino.

Não faço ideia de quem seja Rodrigo Constantino, mas recebi em minha lista de e-mails num daqueles forwards um texto assinado por ele, muito incomodado com o fato de Niemeyer e Chico Buarque, sendo de esquerda, terem dinheiro. Aquela velha retórica liberal distorcida. Se é que ele sabe disso. Sei que não é arquiteto, pois o afirmou no texto. Imagino também que não seja músico. Também não acredito que possua alguma titulação em ciências sociais, história ou sociologia, pelas referências (ou ausência delas) em seu texto.

Espertamente se priva de comentários técnicos a respeito de arquitetura, mas no entanto se acha capaz de tecer elucubrações sobre outras áreas tão técnicas e acadêmicas quanto. Aliás, uma característica desse texto é refletir o descaso que a sociedade brasileira nutre pelas ciências humanas em detrimento de outras áreas consideradas mais nobres.

Rodrigo Constantino também não deve ser jovem. A utilização de termos como "comunismo" para tentar classificar aquilo que não é liberal, é coisa de quem pensa como pensavam os senhores até o terceiro quartel do século XX.

Não deveria me incomodar, mas me incomoda o texto do Rodrigo Constantino, porque é o senso comum posando de análise. Você não gosta do Niemeyer, tudo bem, mas eu devo dizer que estive no MAC em Niterói na semana passada e achei belíssimo. A vista linda da baía de Guanabara, o lago de onde emerge o prédio, crianças correndo em seu enorme pátio e o melhor, tudo de graça. Foi construído pelo Estado, com o dinheiro público, para o público desfrutar do que de melhor a arquitetura pode oferecer. Não vejo nada de errado nesse princípio. Se os políticos envolvidos no processo, as empresas construtoras e demais agentes desviaram o dinheiro, superfaturaram aqui e acolá, essas condutas individuais sim, precisam ser condenadas. O artista ganhou dinheiro? Sim. Como ‘otário’ que sou, acredito que tenha sido exatamente o que cobrou, o preço que definiu por seu trabalho, nenhum centavo a mais ou a menos. Não confundamos a defesa dos princípios (veja bem, princípios e não dogmas ou determinadas experiências práticas) socialistas, coletivistas, com a necessidade de votos de pobreza franciscanos. Não defendemos a pobreza de forma dogmáica como fazem os religiosos. Defendemos a justiça. Em frente ao MAC tem um prédio residencial lindíssimo, construído criminosamente numa encosta, planejado por um arquiteto que provavelmente não se enquadra no time dos "otários" como afirma agressivamente o Constantino. Nesse prédio, moço, como diz Zé Geraldo em sua canção (olha eu indo pra perto do terceiro quartel do século passado), eu não posso entrar.

Constantino... Constantino era o nome do primeiro imperador romano a converter-se ao cristianismo e a tolerar seus princípios de coletividade e igualdade, diante de um mundo romano decadente. O nosso Constantino aqui parece se incomodar muito com a ideia de coletividade.
Já vou falar de Cuba, mas antes gostaria de ressaltar a necessidade de se separar o pensamento socialista das experiências que surgiram no beligerante século XX, o breve século de Eric Hobsbawm, que teria se iniciado em 1914, com a primeira guerra mundial, e findado em 1990, com a queda do regime soviético.

Assim como não defendemos a pobreza, também não defendemos as ditaduras. Aliás, ditadura ou autoritarismo são conceitos que precisam ser sempre interpretados. Conceitos têm pais e mães. Neste caso os pais vêm do século XVIII europeu. O movimento iluminista derrubou o autoritarismo absolutista e gerou o pensamento liberal, que trouxe a ideia de igualdade civil, eliminando o abismo social (mas não econômico) que separava a aristocracia nobre, “bem nascida” e proprietária de terras, da burguesia de origem plebeia, que adquiriu riqueza através do trabalho, sobretudo ao se apoderar do controle do tempo e do valor do trabalho, gerando por um lado o capitalismo e por outro o chamado proletariado. Muito bem, nosso amigo não precisa dessa aula de história tão primária. Só queria salientar a historicidade do termo burguês e dos conceitos de ditadura, autoritarismo.

Ditadura geralmente é identificado com tudo aquilo que é diferente do modelo liberal de democracia: eleições com voto por escrutínio, parlamento, legislação, etc. Mas, se pensarmos direitinho, Hitler e o jurista Carl Schmitt, ao lançarem mão do artigo 48 da Constituição de Weimar, que previa o estado de exceção, instalou-se no poder como defensor da democracia de massas, um tipo de democracia anti-liberal.

O pensamento de Schmitt, grosso modo, defendia que o modelo liberal se tornava ineficaz diante de uma sociedade bastante diversa daquela de dois séculos antes. O século XX era marcado pela ascensão das massas, formando-se uma sociedade mais complexa cuja demanda por legislação estava sempre além da capacidade de produção dos parlamentos. Portanto, seria muito mais eficaz um modelo de democracia onde a “vontade geral” (conceito de Rousseau que Schmitt apropria de forma enviesada) fosse captada por um único indivíduo dotado de poderes de decisão, conferidos por aclamação popular, para executar de forma mais rápida os desejos do povo. Essa foi uma das fontes onde se embriagou Francisco Campos para escrever a constituição brasileira de 1937.

Veja: para Schmitt, Hitler era um líder democrático, para os liberais, um ditador. Movendo o pêndulo (mas não muito) no tempo e no espaço, em 1964 Castelo Branco foi conduzido ao poder por um conjunto de forças democráticas, que envolvia a família brasileira e o capital, contra a ditadura e o autoritarismo dos comunistas. Nesse momento falavam sobre comer criancinhas, invadir sua casa, usar suas roupas, pois tudo seria coletivo. Muita bobagem, pois falava-se sim, em coletivizar os meios de produção, e não a propriedade individual. Tudo bem, era tudo terrível, mas se pensarmos direitinho outra vez, cada um estava defendendo a sua democracia, que naquele caso específico, não se tratava, nem de um lado e nem do outro, da democracia liberal. É bem verdade que os liberais aplaudiram o “golpe democrático” de 64 e só se voltaram contra ele quando a família brasileira e o capital começaram a sofrer.

Cuba pode ser assim vista como uma ditadura ou como uma democracia. Vista como ditadura pois não possui os valores liberais, ou seja, lá nem todo mundo, ou melhor, ninguém pode tudo; vista como democracia por aqueles que se vêem satisfeitos por ter o que necessitam, ao contrário de muitos cidadãos brasileiros e estadunidenses. Mas aqui no Brasil todos podem tudo! Eu posso sair nesse momento de minha casa, pegar um avião e ir pra Cuba ou pros EUA... quer dizer, não posso porque não tenho dinheiro, mas isso é um detalhe. Aliás, se tivesse dinheiro poderia ir pra Cuba, porque pra entrar nos Estados Unidos eu tenho que provar que não sou bandido.

Outra coisa que me intriga nas críticas a Cuba é quando chamam Fidel, Che, Raul e os demais participantes da revolução cubana de assassinos. No texto do Rodrigo Constantino Fidel é apontado como o “maior genocida da América Latina”. Eu queria ver as estatísticas.

Acho que vou parar por aqui.... depois continuo pois a riqueza do texto de Rodrigo Constantino suscita tantas discussões que às vezes nem dá pra colocar tudo num texto só.

2 comentários:

Aucilene disse...

Oi, amado!

Olha, se não estou enganada, esta criatura é economista, escreve prO Globo, tem um blog com o nome dele. Me lembro de ter recebido algumas "pérolas" de textos escritos por ele,em manifesto "por que não voto em Dilma". Em todos eles - ou quase - havia menção ao Chico,ao Niemeyer, a Fidel, Cuba etc. etc. Além de um em que ele falava exatamente isso que citou em relação ao Chico, ao falar sobre a extensão da temporada do show "Carioca". Muita coincidência se não for a mesma criatura, não? Gente equivocada, que usa de discurso vazio (fala, fala e nada diz) pra deleite de outros tão equivocados quanto. Que irrita, irrita; mas...

Bom te ler... Some muito não.

Bjins

Rodrigo Manhães disse...

Excelente texto, meu amigo!

Esse aí é um sujeito que escrevia no site do Olavo de Carvalho. Daí já se pode inferir suas posições liberal-conservadoras e a retórica fanática anticomunista. Depois acabaram brigando por religião, mas são farinha do mesmo saco. Pelo menos Rodrigo Constantino serviu para alguma coisa, enfim: motivar este post.